20.3.11

em um reino tão, tão distante - parte 1

era uma vez uma menina franzina, magrela e feia, que em muitas ocasiões se parecia com um garoto pelo seu cabelo crespo e curto e por suas roupas pouco ajeitadas.
gostava de brincar de correr, de subir em árvores e telhados, de desenhar lugares e flores.
acompanhava, bem de pertinho do chão, o caminho confuso das formigas pelo quintal da casa onde morava. cozinhava comidinhas de ervas e areia em foguinhos imaginários e fazia brinquedos do que nem se imaginava. geralmente brincava sozinha, mas quando tinha companhia nas brincadeiras na grande maioria das vezes, sentia-se depressiada. escutava às vezes alguns sussuros sobre sua aparência e ela própria, entre um e outro movimento de sua mãos manejando as magrelas e peitudas bonecas Susie, da época, momento em conseguia socializar com as outras meninas de sua idade, pegava-se fazendo comparações entre si e a amiguinha que estava à sua frente.
mas não acho que fosse uma menina infeliz. ao menos não era de todo!
mas, pensando bem também, de todo, todo mesmo ninguém é...
ok, ok, acho que a menina era bastante infeliz e não era de uma infelicidade que vinha de fora que ela sofria. essa infelicidade nem vinha das comparações que ela fazia - apesar, de inconscinete, a menina praticar talvez o modo mais eficaz do mundo para se adquirir e cultivar a infelicidade! - mas a infelicidade que a menina sentia vinha de um lugar bem, bem, bem profundo e desconhecido...
essa menina não se sentia em casa. apesar de morar com sua família, não se sentia acolhida, amada ou protegida. isso dava a ela uma grande sensação de vazio e solidão.
sua família - de sangue - não vivia em comunhão. só porque eram "obrigados" a viver juntos por questões circuntanciais da vida não os fazia de fato uma família...
ela tinha irmãs menores e poucas recordações de sua infância junto à elas ou seus pais. a lembrança mais doce que tinha destes momentos era a imagem da irmã caçula no berço, com as mãozinhas abertas cheias de poeirinhas tipo algodão entre os dedos pequeninos, que ela tirava suavemente, uma a uma, como se praticasse uma meditação.
carregava em seu peito o vazio e uma sensação estranha e persistente que era difícil de traduzir em palavras. algo que como um rompimento ou uma quebra, ou sei lá, algo, talvez, semelhante à isso...
não havia por perto ninguém que pudesse acessar tal sensação, nem que a ajudasse a descrevê-las em palavras, nem que a permitisse trazer a tona a vontade de se fazer entendida.
e a menina se calava.
e a menina se isolava.
os anos iam passando e a menina os aceitava.
passava-os assim, do jeito que dava, sozinha numa casa com sua família e perdida em um reino tão, tão, tão distante do lugar e das pessoas que a cercava...
em algum momento mais adiante de sua vida, como que num resultado matemático do percurso dos anos que acumulava, perdeu-se também de si mesma e "adormeceu" num encenar constante de uma vida que não se parecia nem com ela nem com a vida que deveria viver, fazendo se parecer cada vez com uma criatura mais e mais distante de sua natureza e da realidade inerente à algo que nem sabia o que era, mas que teimava em pulsar timidamente em um coração de menina que já se tornava jovem...
[...]

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